Auto da Índia

Auto da Índia

Gil Vicente

Ciências Humanas

Constança, insatisfeita com as longas ausências do marido que a deixa sozinha quanto ele parte em viagens até à Índia, adota uma vida libertina, tomando para si vários amantes.

"Foi-se à Índia o meu marido, E depois homem nascido Não veio onde vós cuidais; E por vida de Constança, Que se não fosse a lembrança"

Apresentado pela primeira vez no ano de 1509, em Almada, perante a rainha D. Leonor, foi uma das primeira peça de teatro da Península Ibérica a ter uma intriga, ao invés de ser apenas um mero monólogo teatral recitado por um individuo, como era feito até então nas cortes palacianas. Foi também a primeira “Farsa” escrita por Gil Vicente, ou seja, uma sátira social que mistura comédia e crítica aos maus costumes. Tendo como pano de fundo os descobrimentos e as suas consequências sociais, apresenta uma história cómica onde denuncia as práticas de adultério cometidas pelas esposas dos navegadores e marinheiros que, na longa ausência dos maridos, não tinham pudor nenhum em traí-los.

Quando Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia, numa viagem que decorreu entre 1497 e 1498, a expansão ultramarina portuguesa alterou-se completamente. Até então Portugal dedicara-se apenas a explorar pequenas feitorias (interpostos comerciais) na costa oeste de África, mas depois que ultrapassou o cabo da boa esperança iniciou uma verdadeira campanha colonial em terras do oriente, fundando aquilo que na altura se chamou de “novo reino de Portugal”, governado por Vice-reis cuja administração se estendia por dois continentes – da África oriental até ao largo do Japão. Toda esta expansão marítima pelos mares da Índia, implicava uma constante circulação de embarcações na rota do oriente, na altura vista como mais importante do que as descobertas do novo continente, em 1500, pois era do oriente que vinham bens – como as especiarias, a seda e a porcelana – que eram depois vendidos para o resta da Europa.

O “Auto da Índia” é uma peça do seu tempo, passada numa altura em Portugal sofria grandes transformações socioeconómicas; numa altura em que os portos estavam constantemente cheios de embarcações que chegavam e partiam, em que os cais eram inundados com mercadorias nunca antes vistas e com estrangeiros que vinham de todos os cantos da Europa para as comprar. Há, contudo, uma certa ironia no uso do título da peça, pois ela não fala sobre a expansão ultramarina na Índia e muito menos glorifica-a como outras obras da altura, sobretudo “Os Lusíadas”, que Camões escreveria 70 anos depois. Gil Vicente, como autor satírico que era, preferiu explorar as suas consequências nas relações matrimoniais, expondo, de forma cómica, aquilo que ocorria entre os casais em que o marido passava longos meses em alto mar e a mulher ficava sozinha em casa. Curiosamente Camões expressaria a mesma ideia na sua obra “Os Lusíadas” no episódio conhecido como “O Velho do Restelo”, levantando a dúvida se teria ou não visto uma representação desta peça de Gil Vicente.

A peça em si foi inédita para a época. Apesar do adultério ser hoje um tema universal na literatura, na altura ainda era um assunto tabu. Contudo, Gil Vicente não teve pudores em o abordar, criticando-o, claramente – não fosse a peça uma Farsa – mas não condenando-o expressamente, preferindo caricatura-lo na sua bizarria e deixando a ser o público a tirar dele juízos de valor.

Há ainda outro aspeto que distingue esta peça das anteriores de Gil Vicente. Além de ter sido a primeira a contar uma intriga foi a primeira das suas peças a ter sido escrita maioritariamente em português, o que é era igualmente inédito pois na altura o castelhano estava muito presente tanto na literatura como na sociedade. Aqui a única personagem a falar castelhano é o amante “Castelhano”, com o objetivo óbvio de o demarcar e de o distingui como tal. O “Auto da Índia” é pois também, neste aspeto, um texto representativo do ponto de viragem linguístico que Portugal estava a passar.

A peça é hoje uma das mais populares do pai do teatro português que continua a ser representada ainda nos teatros contemporâneos, tanto no seu texto original como em diversas adaptações.

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